23
dez
2013

Foi José Dirceu quem, em 2002, quando o exsindicalista Lula fez a escalada ao Planalto, depois da quarta tentativa, recomendou ao expresidente que “recortasse a barba”, um símbolo que o tinha feito famoso nas lutas sindicais e que amedrontava então a classe empresarial.

Lula a recortou, mas não a tirou. Fazia parte de sua personalidade e até dos ataques de seus adversários políticos que o apelidavam de “sapo barbudo”.

A doença, acabados seus dois mandatos de governo, nos que recolheu frutos e aplausos dentro e fora do país, o obrigou desta vez a aparecer em público, pela primeira vez, sem barba.

Hoje, nas festas de Natal, surge a notícia de que Lula voltará a deixar a barba crescer. Notícia que foi antecedida de outra confissão sua: “Por que acham que estou fazendo duas horas diárias de exercício?” perguntou, e ele mesmo deu a resposta: “Para preparar-me para o 2018”.

A história da barba de Lula que voltará a crescer me fez lembrar a bela história bíblica de Sansão e os filisteus. Sansão foi juiz do povo de Israel durante 20 anos e lutou contra seus inimigos, os filisteus, com a força de seu cabelo, feito de sete tranças, que nunca tinha cortado para ser fiel a uma promessa feita a Deus.

A força de seu cabelo, era, no entanto, um grande segredo que sua mulher, Dalila, em um ato de traição, revelou aos filisteus, seus inimigos, que acabaram cortando sua cabeleira com o que veio a perder sua antiga força, capaz de despedaçar um leão com as mãos e de matar a mil filisteus com a queixada de um asno.

Seus inimigos tiraram-lhe os olhos, fizeram-no escravo e meteram-no no cárcere onde passava o tempo “moendo grãos”. O que não sabiam os filisteus, seus inimigos, era que Deus havia concedido a Sansão a graça de fazer crescer de novo seu cabelo e com ele a força de outrora.

Ainda cego, Sansão, recobrada a força que lhe outorgava seu cabelo nascido de novo, cego e tudo, pediu que lhe colocassem entre duas colunas do templo dos filisteus, e segurou uma com a mão direita e a outra com a esquerda e com a força de seu cabelo recobrado, fez derrubar o templo abarrotado pelos seus inimigos enquanto gritou: “Aqui morre Sansão com todos os filisteus!”.

Algumas histórias bíblicas são inocentes e doces como a do nascimento de Jesus em um presépio entre um boi e um asno e obsequiados por três misteriosos reis magos. Outras estão carregadas de simbolismos políticos, como a de Sansãp que se sacrifica para defender a seu povo dos inimigos.

A notícia de que Lula deseja deixar crescer de novo a barba me levou à história, magnificamente narrada no Libro dos Juízes (13-17), da história de Sansão e a força de seu cabelo, não para as comparar, mas pelo valor simbólico de ambas.

Sansão foi agraciado com uma força especial, que emanava de seu cabelo, para defender a seu povo de Israel contra seus inimigos. E foi juiz de seu povo. E os juízes, sobretudo os “maiores” eram grandes personagens, guias carismáticos do povo.

Lula, três mil anos depois, em nossa era moderna e na história recente de Brasil, protegido por sua barba, símbolo de suas lutas sociais que o aproximavam da classe trabalhadora, foi um dos personagens que os brasileiros e o mundo afora converteram em um mito, e portanto intocável e imune a qualquer acusação.

Lula, como Sansão, acabou perdendo a barba quando deixou o trono do poder, mas ao contrário de Sansão, continuou mantendo, às vezes na sombra e outras à luz do sol, a força de seu poder. E seus adversários políticos contra os quais Lula gosta de duelar, como fazia Sansão, não conseguiram, nem quando perdeu a barba, relegá-lo à escuridão.

Juan Arias
El Pais (Brasil)

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