Comando G era um dos desenhos animados mais populares na Espanha durante os anos 80. Contava as aventuras de cinco jovens que defendiam a Terra das ameaças do espaço sideral.
Fãs da série, os enólogos Daniel Jiménez-Landi, de 36 anos, e Fernando García, de 34, cresceram sonhando em lutar contra monstros. Hoje, usando o nome do seu desenho favorito, eles viraram uma espécie de super-heróis da vida real.
Mas em vez de proteger o planeta, eles têm uma missão muito diferente: salvar vinhedos históricos à beira da extinção e, de quebra, produzir um dos melhores vinhos da Espanha, injetando vida nova na economia local por meio de uma agricultura ecológica e sustentável.
Comando G é o nome da pequena vinícola criada por Jiménez-Landi e García em 2008, dedicada a resgatar vinhedos antigos na Serra de Gredos, a 75 quilômetros de Madri.
O projeto levou a uma valorização de 600% no preço do quilo da uva plantada em uma região que, durante mais de 300 anos, entre os séculos 15 e 18, produziu os melhores vinhos que abasteciam a corte espanhola, mas que havia entrado em decadência, perdido a tradição de vinhos de qualidade e quase viu a uva desaparecer.
“Calculamos que aproximadamente 90% das vinhas de Gredos foram destruídas. É um cenário desolador”, lamenta Jiménez-Landi, apontando para o vale que um dia serviu de inspiração para Francisco de Goya pintar La Vendimia, mas onde hoje não se vê uma parreira sequer em quilômetros de antigas plantações em terraços.
Vinhas centenárias
Segundo o conselho regulador dos vinhos de Madri, a região da Serra de Gredos chegou a colher cerca de 4 mil toneladas de uvas no fim dos anos 70. Hoje não chega a 300 toneladas.
“A chegada da bolha especulativa imobiliária ao país nos anos 90 levou quase todos os agricultores da região a abandonar o campo para trabalhar na construção”, explica Fernando García, ex-colega de Landi na faculdade de enologia.
Atraídos pelas histórias que ouviam das vinhas de uva grenache centenárias e de grande altitude, há cerca de dez anos os dois começaram a explorar a serra e voltaram a produzir vinhos finos na mesma região que era citada em diversas obras de Miguel de Cervantes pela qualidade de seus produtos. Mas que tinha perdido a tradição de vinhos de qualidade e produzia apenas vinho de mesa para ser vendido a granel.
O segredo, segundo eles, está na forma de tratar a terra, respeitando a variedade autóctone e aplicando agricultura biodinâmica. Trabalham o campo sem fertilizantes, produtos químicos ou maquinaria, arando com a ajuda de burros ou cavalos.
Na elaboração dos vinhos, utilizam uma técnica ancestral de fermentação em grandes barris de carvalho francês, sem qualquer aparelho mecânico ou adição de leveduras artificiais.
Aproveitam a grande altitude, com vinhedos entre 700 e 1.250 metros, o que proporciona frescor e finura ao vinho, mais próximo dos franceses da região da Borgonha do que das tradicionais Rioja e Ribera del Duero.
“Fazem um dos melhores vinhos da Espanha em uma das regiões menos conhecidas do país”, afirma a crítica britânica Jancis Robinson, conselheira de vinhos da Rainha Elizabeth 2ª.
“São os enólogos mais vibrantes da Espanha e produzem vinhos deslumbrantes, verdadeiras estrelas”, diz o americano Robert Parker, um dos especialistas mais influentes o mundo. O Guia Peñín, maior referência do ramo no país, define os vinhos como “excepcionais”.
‘Garotos do terroir’
Landi e García começaram uma verdadeira revolução no mundo do vinho espanhol. O movimento foi batizado pela imprensa especializada de “Os Garotos do terroir” e já conta com mais de uma centena de jovens enólogos que decidiram abandonar a tecnologia e os padrões industriais para buscar vinhos artesanais nos quatro cantos do país.
Mas foi na própria região da Serra de Gredos que seu impacto foi mais sentido. Graças ao seu trabalho, já existem 15 novas vinícolas e o preço das terras e do quilo da uva vendido se valorizou em mais de 600%. O sucesso levou muitos dos habitantes locais a voltar a se dedicar ao campo, seguindo a mesma filosofia de agricultura ecológica e sustentável do Comando G.
“As cooperativas da região pagam apenas 0,20 euro pelo quilo da uva enquanto os novos enólogos pagam quase 1,50 euro”, explica Jesus Prieto, de 56 anos, um dos poucos negociantes de uvas de Gredos que sobreviveu aos tempos de vacas magras.
“Vivemos uma época de desemprego altíssimo e a viticultura passou a ser uma alternativa viável de sobrevivência para os jovens daqui que não tinham trabalho”, conta.
Aos poucos, as antigas paisagens retratadas por Goya e Cervantes vão voltando a ser vistas em pequenas amostras. Vinhedos que florescem em terra fértil, cheios de vida e de esperança para os moradores da região.