09
set
2013

A cidade de São Carlos, no interior de São Paulo, prepara-se para receber os desenhos do pintor espanhol Salvador Dalí que retratam A Divina Comédia. Todo o material foi doado pelo fazendeiro Lover Ibaixe, de 80 anos, para o município em abril deste ano. O contrato entre a prefeitura e o proprietário das obras foi assinado nesta semana e é válido por 10 anos.

O documento prevê a doação em comodato de cem gravuras originais de Dalí. Ele foi assinado pelo prefeito Paulo Altomani (PSDB) e por Lover Ibaixe, na qualidade de legítimo e único proprietário das obras. Os desenhos retratam o poema de Dante Alighieri, sendo que 33 representam o Inferno, 33 o purgatório, 33 o Paraíso e uma o próprio Dante. A prefeitura ficará responsável por conservar e garantir a segurança de todo o material.

As xilogravuras estão em Goiânia e irão para um cofre em São Carlos até ser definido o local para a exposição. Ainda não há uma data definida para a transferência das obras, mas não deve demorar muito. O prefeito diz que serão providenciadas condições especiais de transporte e armazenamento das telas, ao mesmo tempo em que é preparado o local que vai receber a exposição.

A obra foi encomendada a Dalí em 1951 pelo governo italiano para comemorar os 700 anos de nascimento de Dante em 1965. Só que, em 1954, quando a notícia vazou, a comunidade cultural italiana não aprovou. Mas o trabalho já estava pronto.

Lover Ibaixe diz ter pago 300 moedas de ouro à mulher de Dalí, que convenceu o marido a se dispor do trabalho. São Carlos foi escolhida para receber o acervo por ser a terra natal do fazendeiro, hoje morador de Goiânia. Foi somente em 1998 que ele revelou ser portador da coleção, depois de 22 anos de silêncio.

Em 2002, um representante da casa inglesa de leilão de arte Christie’s esteve no Brasil e avaliou as obras. Disse que, num leilão, o lance inicial seria de US$ 22 milhões. Ibaixe recusou.

A aquisição da obra de arte envolve uma fantástica história. Em 1963, apaixonado por viagens, Ibaixe foi visitar a Espanha. Lá, conheceu Miguel Utrillo, amigo próximo de Dalí. “Quando ele me falou que era amigo do pintor, pensei que seria interessante comprar uma tela do Dalí. Um dia posso vender e ganhar muito dinheiro. Você sabe, a gente sempre tem de pensar na necessidade”, lembra Ibaixe, em entrevista publicada no Estado em 2006. “Pelo sim, pelo não, pedi para Utrillo me levar até Dalí. Mesmo se não comprasse nada, pelo menos eu conheceria o homem”, continuou.

“Utrillo me avisou que eles (Dalí e sua mulher, Gala) eram completamente loucos. E, realmente, eles viviam em outro mundo”, relembrou Ibaixe. Ele conheceu o casal em sua residência à beira-mar, em Cadasqués, na Espanha. Na mesma matéria, o fazendeiro comentou a dificuldade de manter uma conversa com o casal. Falando um espanhol em fase de aprendizagem, o paulista comunicou sua intenção de comprar uma tela de Dalí. Foi a senha para Gala enlouquecer: “A mulher me xingou de tudo quanto é palavrão”.

A reação assustou Ibaixe que, nervoso, sacou a sua moeda australiana da sorte e começou a rodá-la nos dedos. Foi o bastante. “A Gala bateu o olho na moeda e se apaixonou. Perguntou se eu tinha mais, disse que tinha 300. Ela foi até o quarto e voltou com uma pasta cheia das gravuras que Dalí tinha feito da Divina Comédia. Disse que trocaria as gravuras pelas moedas. Eu não entendia nada de arte, mas pensei: Dalí interpretando Dante deve valer um bom dinheiro. E aceitei.”


O Estado de São Paulo

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