10
abr
2014

Excêntrico, bufão, louco. O pintor catalão Salvador Dalí (1904-1989) soube, como poucos artistas de seu tempo, construir um personagem maior que a vida e, com isso, nunca sair de cena. Os bigodes eriçados e o olhar alucinado do homem que andava com cavalos cobertos de joias para chamar a atenção da imprensa não pertencem apenas à história da arte; hoje fazem parte do imaginário popular. No auge da fama, sua figura tornou-se mais conhecida que qualquer uma das telas com objetos derretidos em paisagens irreais, responsáveis pela circulação de 60 milhões de euros nas duas últimas décadas, contada apenas a renda com exibições. Alguns dos quadros mais significativos de sua intensa produção poderão ser vistos no Rio e em São Paulo. O Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB-Rio) recebe primeiro a exibição do conjunto emprestado em sua maioria pela Fundação Gala-Salvador Dalí a partir de maio. Em outubro, a mostra “Dalí”, um dos maiores sucessos de público dos últimos tempos do Centro Georges Pompidou, em Paris (que atraiu 790 mil visitantes), vai ocupar o Instituto Tomie Ohtake com 30 telas a óleo, mais de 100 criações em papel e uma instalação. Juntas, essas obras ultrapassam o valor de US$ 170 milhões.

A versão brasileira da montagem foi orçada em R$ 9 milhões, devidamente aprovados pela Lei Rouanet. Desses, cerca de R$ 3 milhões se destinam apenas à cessão de direitos autorais, tornando impossível não imaginar o volume de produtos licenciados que estarão à venda nas lojinhas das instituições. Nada que desagradasse ao pintor nascido em Figueras que, criança, sonhava em ser Napoleão Bonaparte e, crescido, apoiou o regime franquista. Em Brasília, a Caixa Cultural deve receber ainda este mês (a data se tornou incerta por problemas na alfândega brasileira) uma reunião de 26 esculturas da Coleção Clot, de Madri. Menos conhecidas e importantes, as peças foram moldadas pelo surrealista em cera entre 1970 e 1981 em Port Lligat, na Catalunha, onde ele esculpia com a cera amolecida pelo sol mediterrâneo. O conjunto se manteve unido pelo fato de toda a produção ter sido trocada de uma vez só por um quadro de Francisco de Goya, maior ídolo do pintor.

O grupo mais importante de criações se concentra na montagem que percorre Rio e São Paulo, reunião de suas imagens imediatamente reconhecíveis traduzindo cenas que se tornaram símbolos do inconsciente. Como tudo em Dalí, a expectativa de público para a montagem brasileira não tem projeções modestas. Dois milhões de pessoas, aposta o diretor da Fundação Gala-Salvador Dalí, Joan Manoel Sevillano. Com obras que vêm ainda do Museu Reina Sofía, de Madri, e do Salvador Dalí Museum, da Flórida, nos EUA (as outras duas maiores coleções), o acervo mostra como o artista está em sintonia com a contemporaneidade. “Ele é radicalmente atual por ser provocador, por desejar antecipar, pela curiosidade ilimitada”, diz a diretora do Centro de Estudos Dalinianos e curadora da exposição, Montse Aguer. Para a pesquisadora do Reina Sofía, a recriação de si mesmo, em forma de autorretratos é outro índice da atualidade do pintor catalão, que morreu em 1989, aos 84 anos, na mesma cidade em que nasceu.

Dalí passou pelo impressionismo e costuma-se dizer que flertou com o cubismo. Algumas obras dessas fases menores poderão ser vistas no Brasil, como “Figuras Tumbadas em La Arena”, de 1926, um arremedo da desconstrução cubista proposta por Picasso, mas que já continha sementes das paisagens mentais que se tornariam principal cenário – quando não objeto – de sua pintura. Mas foi na imagem e na atitude do movimento surrealista que construiu e difundiu sua fama, a ponto de ser reconhecido como seu maior representante. Aí todos os excessos e obsessões couberam como uma peça de marketing à frente de seu tempo.

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