29
set
2013

Aos 21 anos, a espanhola María Rodriguez vive em um apartamento de dois quartos com o marido e dois filhos em Málaga, no turístico sul do país. O edifício se chama Buena Ventura: boa sorte, em espanhol. A vida dela, porém, tem sido de desventura.

O prédio residencial em que sua família e outras 12 moram irregularmente desde fevereiro pertence a um banco. A ordem de despejo está prevista para ser executada pela polícia nesta quinta.

A ocupação Buena Ventura é uma das “corralas” (referência a currais) que se espalham pela Espanha com a crise econômica.

O fenômeno era até então estranho ao país, que já vê crescer um movimento sem-teto. A economia espanhola encolhe há dois anos.

A proliferação das ocupações está ligada a dois fatores: a crise hipotecária local, que leva as famílias a perderem suas casas após não pagarem as dívidas, e ao desemprego de 26,3%. É a segunda maior taxa da União Europeia, atrás apenas da Grécia. Entre os jovens espanhóis, o índice ultrapassa 50%.

É o caso de María. Filha de um funcionário público, ela não tem emprego. O marido, na economia informal, ganha cerca de € 240 (R$ 732) por mês. O sustento vem de seu pai, que ajuda outros cinco filhos, todos desempregados.

Sem dinheiro para pagar os € 1.200 da matrícula anual da faculdade, María deixou o curso de economia. Sua vida agora é cuidar dos filhos e, como outros moradores do prédio, fazer bicos, como vender flores no centro.

A ex-universitária diz sentir “ansiedade” ao ver que corre o risco de não conseguir ter o mesmo padrão de educação e de renda de seus pais.

“Não posso nem me dar o capricho de comprar as coisas que quero e, às vezes, tampouco as que preciso.”

Os moradores do Buena Ventura se dividem na limpeza e na manutenção do local. Um quadro na área comum divide as tarefas. Na entrada, a provocação: “boas práticas –não se abre para a polícia”.

A ocupação à espanhola, no entanto, supera em condições a maioria de suas análogas brasileiras.

O Buena Ventura é um edifício novo e bem conservado, com apartamentos espaçosos comparáveis a moradias de classe média no Brasil. Cada família tem seu apartamento e os cômodos são equipados com móveis doados por amigos e vizinhos ou feitos pelos próprios moradores.

DESPEJO

A maior preocupação é com a desapropriação do imóvel. Até agora, os moradores não conseguiram moradias com aluguel subsidiado pelo Estado. “Vou dormir sob a ponte? Não paro de pensar nisso”, diz Silvia Jimenez, 26, desempregada e também egressa de uma família com acesso à educação.

Segundo levantamento de uma parlamentar da Andaluzia, região onde fica Málaga, foram executados quase 20 mil despejos em toda Espanha até junho, dos quais 7.300 foram ligados a dívidas hipotecárias. De acordo com dados oficiais, 13,6% dos imóveis espanhóis estavam desocupados em 2011.

Com a piora do quadro, que levou até a suicídios de desalojados, o Parlamento andaluz aprovou na semana passada uma lei de despejos que amplia os direitos dos moradores endividados.

O despejo do Buena Ventura, porém, não é um caso de hipoteca e continua marcado. Os moradores prometem “resistir, se necessário, com a própria vida”.


Folha de São Paulo

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